Um coração chamado Mauricio de Sousa

Eu queria ter mais palavras para descrever como foi minha entrevista com o criador da `Turma da Mônica`, Mauricio de Sousa. Confesso que conhecia os gibis, mas nem era viciada assim. Confesso também que um dos meus maiores divertimentos da infância era ir no Parque da Mônica, que tinhas os bonecos da Turma do Limoeiro e  minha cortina era dos personagens principais. Ok, acho que eu eu curtia bastante mesmo.

Logo que me formei em Jornalismo, fui assistir um seminário com personalidades do meio da comunicação, entre eles estava, Ziraldo, Caco Barcellos e Mauricio. Fiquei apaixonada quando descobri que o cartunista começou sua carreira como jornalista policial em um jornal. No fim da palestra, subi no palco, tirei foto e dei um abraço apertado nele.

Anos depois, em 2014, a Elemidia, empresa que trabalho (ou trabalhava),  começou um projeto de entrevistas com pessoas influentes, chamado de 'SpeedReading'. E foi assim que sugeri o nome do Mauricio de Sousa. Conversei com ele em outubro, na semana do meu aniversário, na sede de sua empresa, que na época ficava na Lapa.

Quando entrei na sala dele, me senti acolhida. Lugar cheio de arte, brinquedos e com cheiro de infância. Antes de chegar lá, tinha conhecido uma de suas filhas, aquela que serviu de inspiração para a dentuça mais famosa do Brasil, a Mônica.

Mauricio é atencioso, fica evidente na fala mansa e no jeito em que indicava cada projeto novo, que ama o que faz. Durante a conversa, me mostrou orgulhoso uma poltrona grafitada que ganhou de presente e me pediu para escolher uns brindes para levar para casa. Se eu fosse desenhista, se soubesse o mínimo possível e ele me pedisse para fazer sua caricatura, eu faria um coração para representá-lo . Para mim, Mauricio de Sousa é um homem com  amor enorme, que de tão grande, não consigo destingir entre ele e seu coração .


Foto minha sentada numa poltrona com cinza com desenhos da Mônica e ao meu lado, abaixado, está Mauricio de Sousa. Estamos no escritório dele

 



Por que trocou a reportagem policial por quadrinhos?
 
Quadrinho é mais seguro né (risos). Eu era repórter policial em um tempo que eu não tinha conseguido fazer desenho. Tentei entrar no jornal da Folha como desenhista, mas não consegui, talvez porque meu desenho não era muito aperfeiçoado para o chefe de arte. Ao mesmo tempo eu queria fazer histórias em quadrinhos, mas acho que não era o momento e também não estava preparado. Precisava ganhar algum salário e abriu uma vaga de repórter quando fui recusado no desenho, sugeriram que eu fizesse outra coisa, conhecesse outras pessoas até aperfeiçoar meu trabalho. Fiz Isso, passei no teste para trabalhar na reportagem do jornal e gostei muito. Tinha 17 anos e achava lindo ser repórter policial, era como ser herói de HQ. Foi uma boa experiência para meu trabalho atual porque o jornalismo tem uma linguagem enxuta, direta e objetiva que é ideal para os quadrinhos. Senão fosse por isso, minha linguagem seria igual à de Machado de Assis e Eça de Queirós, dois autores que eu lia muito na época. Meu português era muito sofisticado quando escrevia e ninguém aguenta ler HQ nesse estilo. Trabalhar no jornal me ajudou nas amizades com os diretores de redação, porque quando resolvi me dedicar as HQS mostrei para eles o quanto tinha evoluído e comecei a publicar as histórias do Bidu e Franjinha, meus primeiros personagens. Enquanto repórter fui estudando como os americanos dominavam o mundo das HQS nos jornais, as técnicas de marketing, como eles cobravam. Estudei tudo para adaptar aqui no Brasil, aprendi a negociar quadrinhos e a  treinar desenhos até chegar onde estou hoje.

 Que lição tirou do jornalismo policial?

Se não fosse o jornalismo eu seria só desenhista de história em quadrinhos e não escritor

 Que autores te influenciaram na leitura?

 Eu lia muito, acho que meus primeiros livros foram os do Monteiro Lobato. Fiquei encantado, sabia de cor algumas passagens do livro e tinha toda a coleção. Mas eu tenho que confessar que o primeiro livro que me deram quando criança era da Disney, Mickey e o Matador de Gigantes, da editora Melhoramentos. Ele era colorido, cheio de ilustrações bonitas e a partir dai comecei a pensar: “um dia vou fazer isso”. Depois comecei a ler gibis e esse pensamento me acompanhava: “um dia quero criar meus próprios personagens”. Fiquei tão fanático por essa ideia que fiz.

 Por que os quadrinhos da Disney não fizeram o mesmo sucesso que a Turma da Mônica faz no Brasil? Qual a diferença entre eles?

 Nos quadrinhos a Disney fez um sucesso incomensurável aqui, a revista do Tio Patinhas vendia  R$ 5 mi. Quando nós chegamos, começamos fazer uma história meio que de guerrilha, bem brasileira, de um jeito diferente deles e com isso conseguimos ganhar espaço.  Eu acho que a Disney não deixou de ser interessante, na minha visão ela não se interessou mais pela produção de HQS,  começou abrir outros grandes negócios, como parques temáticos. Houve uma possibilidade histórica em que eu cheguei em uma hora onde a Disney estava se desinteressando pelos quadrinhos. 

 Qual personagem te representa?

 No começo da minha carreira alguns personagens eram eu, porque quando se escreve uma coisa você tem que fazer sobre o que acha, sente e vivenciou. Para criar personagens fomos juntando peças e características de pessoas para que a gente pudesse ter uma variedade de detalhes que é nossa riqueza maior. Sobrou disso tudo um personagem que diz mais de mim, que é o dinossauro Horácio. Antigamente, os escritores de fábulas e histórias infantis falavam de coisas que eles achavam através de uma representação de um animal para não mostrarem a cara, desse jeito eles não iam presos, ou enforcados.  Então, o Horácio sabe da minha filosofia de vida. Mas eu não falo muito disso.

 Como funciona sua empresa?

 A empresa está crescendo muito e por caminhos variados. Eu tento que o pessoal tenha a mesma filosofia e o mesmo trato com tudo que está fazendo mesmo sendo diferente. Mas está sendo difícil. Neste momento, estou fazendo um trabalho para aumentar essa interatividade e interconhecimento para que todos aqui falem a mesma língua mesmo fazendo atividades distintas. Agora temos teatro, cinema, acampamento de férias e uma variedade de coisas. Se seguirmos a mesma filosofia dos quadrinhos nós iremos tratar com o mesmo carinho e cuidado de sempre. É como se tudo que tivéssemos criando fosse para a Turma da Mônica, a gente se situa melhor pensando assim. Eu costumo falar para o pessoal que quando eles criam alguma coisa aqui eles têm que se perguntar se dariam essa criação nova para os filhos, se a resposta for positiva nem precisa me perguntar, mas se parar um segundo para pensar já não é para fazer mais.

 Como funciona a divisão de tema para cada história? Tem alguém que decide? 

Não. Tudo passa pela minha mão e pela minha filha Marina. Dentro da nossa filosofia de trabalho, dou liberdade aos roteiristas para criarem coisas adequadas aos conhecimentos e aos anseios do leitor de hoje. Tem temas que nunca imaginaria ver, às vezes questiono se está na hora disso ou daquilo. O mundo gira e muitas vezes temos que aceitar mudanças.

 Existe a possibilidade de tratar temas adultos, como homossexualidade e política, em alguma das suas revistas?

 Tem coisas que não, política nunca. Tem certos temas que evitamos ninguém bebe e fuma nas minhas histórias. Temos publicações especiais para campanhas que usamos para conscientizar. Fizemos uma com a Ambev recentemente para criança ter conhecimento e a responsabilidade desde cedo a respeito da bebida alcoólica.
 
 Qual a principal dificuldade em falar com o público jovem? 

 Poderia ter tido alguma dificuldade sim, já que quando a Turma da Mônica jovem começou, eu já tinha passado dessa fase. Eu tenho uma equipe multidisciplinar que me ajuda bastante e que é composta por muitos jovens também. Eles estão fazendo histórias que acabaram de viver, e prezam bastante essas informações e me ensinam. Além disso, me ajudou o fato de  eu ter dez filhos e conversei durante 50 anos com eles, cada um com sua tribo, falando sua língua de cada maneira. Fui aprendendo assim e até hoje faço isso com os netos e sobrinhos. Eu sugiro aos roteiristas que estejam próximos de crianças e jovens.

 Já teve alguma situação em que um tema foi rejeitado ou repercutiu negativamente? Qual?

 Não me lembro, mas sempre tem alguma coisa que entendem mais ou menos. Há um tempo na revista da Tina, dois mocinhos surgiram na história dela e o leitor imaginou que eram homossexuais. Chegou um monte de correspondência questionando sobre esse tema e eu disse que não, a interpretação era de cada um. Se um dia for necessário para a história se desenvolver melhor e nós podermos dar a boa mensagem com uma história para gays, eu ponho sim.

 Então você acha que o público jovem e os pais não estão preparados para certos temas?

 A maioria das famílias não está preparada

 Ao que o senhor atribui a longevidade da Mônica como personagem?

 Porque a Mônica acompanha o que está acontecendo, assim como eu e os roteiristas Estou cercado de filhos de todas as idades, seis deles trabalham aqui e isso também ajuda. Eu não posso fechar os olhos ao que está acontecendo, eu tenho que de alguma maneira misturar os personagens com o dia a dia. Temos que estar online.

 Como a tecnologia e as redes sociais ajudam no seu trabalho?  Já atrapalharam?

 Não, imagina. Precisamos saber usar da maneira correta as redes sociais. São ferramentas maravilhosas que podemos usar para espalharmos nosso material. Está para sair nossa série de revistas virtuais.

 O que considera que será o futuro dos quadrinhos? O quadrinho corre o mesmo risco de perder espaço como o impresso? Por quê?

 Eu acho que tem que ter uma soma de informação e não um sacrifício de um lado. Se em algum momento alguma vertente nossa estiver perdendo por falta de interesse temos que fazer uma adaptação. A Turma da Mônica jovem é um exemplo disso, muita gente achou que movimento dos quadrinhos infantis iria cair quando na verdade aumentou e as juvenis continuam vendendo muito. Depende muito do foco, podemos abrir caminhos para novas vertentes aproveitando o histórico do que já passou. O futuro dos quadrinhos é a soma dessas coisas.

 Você conseguiu levar seus desenhos para outro patamar, cinema, tv, teatro etc. Como você teve essa visão empresarial?

 De todas as atividades, tem que ter uma para ser a atividade alfa. No meu caso são as histórias em quadrinhos. Se fizer sucesso, alguém do mundo empresarial vai querer fazer um desenho animado, um brinquedo e assim atraindo outras coisas. Eu acho que tem que estar forte em uma área, uma área que todos vejam. Ao contrário da maioria dos personagens do mundo, nenhum conseguiu sem ajuda da tv fazer o que nós fizemos, mas era o que me restava e tive que aplicar tudo que conhecia das HQS primeiro em jornais, depois em revista e álbuns. Acho que para dar certo tem que ser feito plano, projeto e ver as possibilidades, aproveitando cada um ao seu tempo. Na minha primeira década de trabalho atingi 300 jornais do Brasil e chamei atenção da Editora Abril para publicar em revistas, depois chamei atenção do cinema e fiz longa e por assim vai. São escadas, cada degrau que sobe mais você aparece. 

  O que acha da lei que restringe a publicidade infantil? Você teve de mudar alguma coisa para se adaptar a ela?

 Nós todos precisamos fazer mudança, temos que ficar atentos para não atravessarmos as barreiras de ética, comportamentos e não apelarmos para força do personagem e publicidade para incentivar hábito que às vezes não são legais para as crianças. Por outro lado, os políticos que estão estudando a proibição também tem que aprender muita coisa sobre o que deve ou não fazer para as crianças, pois não é proibindo que se resolve. Precisa é educar, preparar a cabeça do pessoal para que haja uma coisa natural. Ninguém vai parar de usar um produto proibido, o maior exemplo disso é a lei seca dos EUA. Só que tem pessoas na política que não entendem de história e não sabem como funciona a cabeça do leitor, consumidor e da criançada principalmente. Eles querem tirar coisas básicas como cores e personagens, isso é um absurdo. Eu acredito que tem boas intenções por trás disso, apenas estão usando caminhos errados.

 Como acha que o Brasil poderia incentivar mais a leitura das crianças?

 Primeiro todo mundo tem que se juntar para fazer bons livros, não só gibis. Os livros tem que ser a preços baixos com boa distribuição para que se tenha uma leitura adequada no horário nobre. Horário de diversão é o gibi, o nobre é o livro. Temos que dar oportunidade para escritores novos, com a internet está mais fácil para eles. Em compensação a competição é maior e o dinheiro está apertado para produção de livros. Mas a vida inteira foi isso, se você tem um foco não desista. Nunca vá pelo caminho mais fácil, sempre faça o melhor.

 Além do Ziraldo, tem outros cartunistas no país que você acha que pode fazer sucesso?

 Temos uma coleção nova de Grafic Novels que está cheia de novos artistas, são desenhos feitos por pessoas que não trabalham aqui, e estamos abrindo caminho para os concorrentes também. 

 Você acha que o Brasil dá o espaço que merece para o quadrinista? 

 Tem época que tem, época que não tem, depende muito do artista. De como ele está se impondo junto ao editor, com público e com a internet. Antes de tudo, o artista tem que ser bom vendedor, vendedor dele próprio. Nós temos que continuar sempre como uma cunha, abrindo caminho, não dá para ficar quieto esperando procurarem a gente, isso não só no trabalho, para tudo. 

 Você pretende se aposentar?

 O Que? (risos). Eu tenho seis filhos trabalhando aqui, cada um em sua área. Eles já estão na deles, eu penso que estou é preocupado com aposentadoria deles, eles que têm que se preparar para isso.

 Qual é seu conselho de empresário?

 Meu futuro empresário, sempre que for fazer qualquer coisa procure algo que seja autossuficiente, não dependa de bancos, empréstimos, agiotas, de tia rica, ninguém. O empreendedor tem que se acostumar com ideia de que ele é sozinho, ele tem que se bastar e se gostar.

 Você está sempre no Twitter, que mensagem você mandaria para os adultos de dia das crianças?

 De vez em quando me contenho para não expor tanto minha infantilidade nas redes sociais (risos). Minha mensagem seria essa: “Não esquenta. Se você se importar com alguma mensagem de tema ímpeto que você queira responder asperamente, responda, escreva, xingue leia duas ou três vezes e apague”. 


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