A festa da Menina morta: Uma conversa com o ator Matheus Nachtergaele

Demorou quase um ano, mas até que enfim vou conseguir publicar aqui a entrevista com o ator Matheus Naschtergaele que eu tinha preparado faz tempo( muito tempo..). Infelizmente não fui eu que tive o prazer de entrevista -lo, mas o repórter que me representou nessa tarefa pautada pela Monet não podia ser outro e eu não faria melhor que ele. Mesmo sem os créditos devidos na reportagem, o que na época me deixou bem chateada, fiquei bem feliz com a parceria meio clandestina que eu e esse meu amigo jornalista rockstar( ele é um dos integrantes da banda Eletrofan) fizemos.

Essa entrevista foi publicada na edição de Maio da revista Monet, pois foi nesse mês que o premiado filme
A festa da menina morta, primeiro longa dirigido pelo ator, estreou no canal Brasil. Bom, chega de enrolação e vamos ao que interessa. Segue a entrevista não editada com ator e agora diretor Matheus Naschtergaele.

Um artista muito vivo

Por Itaici Brunetti e Giovanna Gomes

Matheus Nachtergaele não é mais o mesmo. O ator que se consagrou no cinema com personagens cômicos como João Grilo em " O auto da compadecida", agora vive uma nova e agitada fase na sua vida profissional. Além da filmagem de uma versão amazonense da peça Woyzeck, na agenda do ator paulista também constam; "Febre do Rato", filme de Cláudio Assis (sua terceira parceria com o diretor); "Maldito", a biografia de Zé do Caixão; uma peça de teatro chamada "45 minutos", e a história de vida do carnavalesco Joãosinho Trinta para os cinemas. "Uma doideira!", segundo ele. Mesmo com a agenda lotado, o ator fez uma pausa e conversou com a Monet sobre sua viagem para a Amazônia e seu novo filme "A Festa da Menina Morta" (estreia no Canal Brasil), sua primeira obra como diretor.

Você escolheu um tema bem polemico (religião regional) para estrear como diretor, qual foi sua principal inspiração?

Eu precisava dizer algo muito urgente de dentro de mim. Em 99, parece século passado, e é né. Eu fazendo o auto da compadecida, em uma folga me levaram em uma festa, de pé de serra. Era uma festa religiosa, as pessoas adoravam uns trapos do vestido de uma menina morta chamada Josefa. Isso fez o fósforo e o isqueiro ascender. Eu tinha uma coisa para dizer e aquilo parecia com o que eu queria dizer. Eu não entendi muito bem porque eles adoravam aquele vestido, eu não entendia muito bem o milagre que eles achavam que tinha acontecido. A história na verdade era a seguinte, uma menina desapareceu, a família muito religiosa, orou, pediu, peregrinou, para encontrar a menina. Um dia encontraram o vestido dela, um mandacaru, bem rasgado já, e eles acharam que era um milagre.

Não é a história do filme, o filme sai disso para ir para outro lugar. A partir daí eu fiquei bem motivado, falei: eu achei! Eu achei o ponto inicial de começar a pensar em alguma coisa. Eu tinha uma coisa muito intima para ser dita que tem a ver com o fato de um ator ser o bode expiatório de uma comunidade, eu queria falar sobre isso. O que é um ator, será que ele é um líder religioso, será que ele é o bode imolado, grego, será que ele é um Jesus Cristo? E a partir do evento do vestidinho eu fui criando personagens e uma vida em volta disso. È um fato verídico, mas é na Paraíba. Se não me engano é dia 2 de Janeiro, chama-se "Festa da Menina Josefa"

No filme fica evidente a grande presença de artistas amazonenses, você acha que de uma certa forma eles servem de motivação para outros atores regionais?

Eu espero que sim, eu fiz questão de não mudar o lugar, de estar no lugar. O s atores amazonenses fazem parte deste estar.Eu vou voltar pra lá, vou filmar de novo, e eles vão voltar. Eu acho que uma das coisas legais da Menina Morta é o fato de terem pessoas que você nunca viu interpretando tão lindamente quanto os astros.

Eu fiquei lá dois meses antes de filmar e eu trabalhei com todos os atores um mês seis horas por dia, do Daniel de Oliveira ao Pajé Papaguara, e demos trabalho de corpo, de voz, discutimos o texto, discutimos que filme era aquele. Engraçado, eu de certa maneira não entendo muito bem a diferença de um ator regional e de um ator não regional.

Os atores regionais tem menos exposição que os outros..

São todos atores do Brasil, são atores brasileiros, todos eles, em Tocantins, em Manaus, em Recife, aonde for, são atores, não tem porque não filma-los se o Brasil é tão grande.

Você é um ator conceituado tanto no cinema como no teatro nacional, teve algum personagem ou filme seu que te ajudou no trabalho de diretor?

Não. Nenhum personagem meu me influenciou. O personagens são coisas que atravessam você. São seres que passam por você.

Quando surgiu a vontade de dirigir filmes?

Fazer um filme é como um pesadelo. Alguma coisa que só pudesse ser dita através de um filme. Se não fosse, você não filmaria, porque as instâncias de fazer um filme no Brasil são tão difíceis, tão complicadas que só realmente em um surto você faz. Um filme é uma exigência da sua alma, não é um desejo burguês, capital. Se eu não fizer isso eu morro.

Mas um personagem não te leva para um filme, mas isso não importa.

Quais diretores serviram de influência?

Akira Kurosawa, pela capacidade incrível de transformar em religião o cinema. O Bergman, por transformar o medíocre em grande, Cláudio Assis, pela coragem. Guel Arraes pelo rigor divertido. Mais que isso eu estaria divagando...

Eu poderia falar mil nomes de pessoas mas não acho que meu filme é influenciado por algum. Na festa da menina morta eu acho que tem Jorge Bodanzky, eu acho que um dos filmes mais bonitos que o Brasil já fez ninguém nunca viu, chama-se "Iracema, uma transa amazônica".

O Brasil tem uma diversidade cultural enorme e muitas vezes desconhecida. Você acha que esse tema é explorado como deveria pelos diretores brasileiros?

Acho que o Brasil é um país imenso de dimensões continentais, e que o cinema brasileiro tem que tatiar estes lugares todos, e esta é a grande honra. Eu acho que o cinema é o melhor lugar para um país se conhecer, e nosso país é gigantesco. Os tentáculos a gente tem lançado por aí afora. O meu tentáculo é no Norte, como diretor. Como ator jpá estive no sul, no nordeste, no centro. O nosso país é um país para ser conhecido, isso é uma honra para qualquer cineasta. Você pode ir para onde você quiser que ainda não foi dito. É um país não dito ainda.

"A festa da menina morta" mostra aspectos interessantes dos seres humanos, como o fato dele se "apegar" a fé sem nenhum questionamento. Na sua opinião, o que explica essa necessidade que as pessoas tem de se apegarem nas coisas ?

Eu acho que a religião é uma relação do ser humano com o luto. Toda religião na minha cabeça é uma relação do ser humano com o luto. A gente supera o luto de várias maneiras, aos prantos, aos sambas, e a gente vai tentando vida vira, vida fora, superar a perda e dar sentido ao que não tem sentido. A religião me parece que ocupa este espaço exato. O lugar onde Deus não estaria. A gente se ajoelha e grita porque a fatalidade é um fato.

Como é a sua relação com a religiosidade?

Vou responder de coração; "Deus é, Deus não existe". Ele está em cada beija-flor que beijaste uma flor, em cada macaco que comeste uma banana, está nos meus pés envelhecendo, está em um livro que se guardaste, está em uma mulher que te amaste. A gente não precisa ir em uma igreja para rezar, basta um colibripassar perto de você que você sente Deus passar perto de você, não precisa rezar "Pai nosso"


Confira o Trailer



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