A rua

No ano passado tive aula de jornalismo investigativo, muito legal por sinal. Aprendi aquelas coisas básicas que todo estudante de jornalismo deve saber sobre Trumam Capote e o famoso caso Watergate. Teorias á parte, tivemos que fazer um trabalho sobre os bairros de São Paulo, e é claro como acomodada que sou escolhi o meu. Alem da preguiça de investigar lugares afastados de casa, tinha um lado daquela rua que sempre me chamou atenção desde meu tempos de xupeta, e foi por isso que consegui unir o útil ao agradável. Abaixo segue meu texto, bom não fiquei de exame dessa matéria, mas admito que podia te ido mais longe do que fui.


A rua
Por Giovanna Gomes

“Ouviram do Ipiranga as margens plácidas, De um povo heróico o brado retumbante, E o sol da liberdade, em raios fúlgidos, Brilhou no céu da pátria nesse instante.”

Ele está no meio do hino da nossa nação e agora é uma das melodias mais tocadas em jogos nacionais. Você pode não conhecê-lo pessoalmente, mas tenho certeza que já ouviu falar.
O bairro do Ipiranga é um dos marcos históricos da cidade de São Paulo, foi nas margens do rio com o mesmo nome que Dom Pedro 1º declarou a independência do Brasil em sete de Setembro de 1822.

Mas como quem vive de passado é museu, o Ipiranga evolui bastante desde aquele dia – De acordo com a fundação Seade, 2007 a área média em que ele se encontra atualmente é de 10,5km². Dentro desse lugar enorme, existe a Rua Salvador Simões, nela um espaço chamado Vida e Consciência, e essa junção atrai em média aproximadamente 1000 pessoas por semana de diferentes cidades do país.
Vocês irão conhecer agora como a influência da auto-ajuda nas pessoas, ajudou no crescimento econômico da região e fez com que o bairro se tornasse mais do que apenas um ponto histórico.

Fila de carros estacionados de todas as maneiras possíveis, quem passa na rua pela primeira vez tem a sensação de estar no meio de uma grande festa de casamento com carros luxuosos e manobristas.
- Ei guardinha, está tendo festa hoje? Grita uma senhora de roupas floridas, curiosa para saber o motivo de tanto automóvel.
Esse tipo de diálogo é mais comum do que se imagina nessa rua, hoje em dia até quem não mora por ali já sabe o que se passa nas noites de Terça e Quinta de todas as semanas do mês. Mas mesmo assim ainda tem gente que insiste na pergunta, e o guarda ou o manobrista continuam com a mesma resposta:
- É os cursos do seu Gasparetto.

Apesar de tanta gente, a rua tem um ar solitário, ou melhor, dizendo antigo. Antes de se tornar um centro de ajuda espiritual chamado Espaço Vida e Consciência, ali era um cinema que atraia todos os jovens das proximidades, aqueles jovens de ontem cresceram e marcam hoje o que foi nosso passado. “O Gasparetto freqüentava o cinema, sempre adorou o bairro e resolveu locar esse espaço para as atividades da família,” comenta Lucimara Falco, atendente do espaço há 10 anos. “Antes eles tinham um centro espírita chamado Caminheiro, depois o Luis Gasparetto foi para Nova York e começou a estudar a terapia Gestalt.”

Gestalt é a terapia da consciência, onde o ser humano aprende como entender o que passa por dentro e por fora de si mesmo no momento presente. Apesar de não ser a mesma coisa, ela foi baseada na psicologia Gestalt que pode ser definida como todo processo consciente e toda forma psicologicamente percebida que está estreitamente relacionada com as forças integradoras do processo fisiológico cerebral. Ou seja, eles tentam explicar as origens dessas forças integradas no nosso sistema nervoso central.


O nome Gasparetto ultrapassa o tamanho daquela rua e vai alem, muito alem. Vindos de uma família tradicional de descendência italiana, eles possuem três residências distribuídas em um único terreno do bairro todo. A matriarca Zibia Gasparetto foi uma espírita tradicional durante anos e agora vende mais de cinco milhões de livros de uma lista que vai de esotéricos, religiosos e principalmente de auto- ajuda, sendo vinte e quatro deles ditados por espíritos. “Eu já lia os livros da Zibia e minha filha freqüentava os cursos, fiquei curiosa e vim ver” conta Paula Fernandes que veio de campinas para assistir as palestras. “Abre a mente das pessoas, aqui eles mostram a verdade desconhecida” completa.

Todos que passam em frente do espaço não deixam escapar um ar de curiosidade, mesmo antes de ser reformado o lugar sempre atraiu curiosos. Logo na entrada você consegue perceber sua imensidade, não só pelo seu tamanho em si, mas sim pelo ambiente agradável que ele demonstra para todas as pessoas que passam ou já passaram por ali.

Bancos de madeira, vasos de flores, mesinhas de café, espelhos na parede e na frente do portão principal a livraria. Maria Lúcia é a responsável do acervo há cerca de sete anos “80% do que tem aqui é de auto- ajuda, mas ainda sim temos bijuterias e CDs, só que tudo relacionado,” diz ela sobre o lugar, que alem de conter todas as obras de Zibia e seus dois filhos médiuns também possui objetos atraentes como bonecas de pano e essências de vários tipos. “Eu freqüento os cursos quando posso, o vida e consciência ensina a ser nosso próprio pensamento.”

Tanto Maria Lúcia quanto a atendente Lucimara Falco participam das palestras junto com outras pessoas que trabalham no local e com o próprio publico que elas recebem “As pessoas procuram aqui tratamento para vários tipos de conflito que vai de depressão até síndrome do pânico, por isso alguns cursos variam de 4 a 16 semanas de duração” explica Lucimara.

Há quem diga que muita gente pensa que os cursos de auto- ajuda são dados só pelo Gasparetto, na verdade o negócio da família deu tão certo que tiveram que abrir uma outra sede no Rio de Janeiro e contratar mais profissionais tão qualificados quanto o “mestre”. Nadia Perez, moradora da região há 46 anos diz que já viu de tudo sobre os essa grande família “Teve um período que ele fazia dois ou três cursos e não cobrava um preço fixo, passava um envelope e a pessoa colocava a quantia que podia. Foi por pouco tempo, mas ajudou muita gente na época.” Apesar de não morar mais na rua, Nadia tem boas recordações sobre o antigo cinema “O cinema Maracanã era nosso ponto de encontro, principalmente aos domingos onde acontecia a matinê e reunia a rua inteira” relembra olhando seus álbuns de fotos. “Antes dos Gasparettos virarem donos do local, lá funcionou por mais ou menos dez anos a fabrica Casa da Química” completa.

Mas como nem tudo são flores, o excesso de carros acaba prejudicando os moradores e por incrível que pareça alguns comerciantes da região “Muito trânsito Né, para mim único problema é esse” reclama Elaine B que trabalha em uma loja de produtos esotéricos ao lado do espaço “Trabalho aqui já faz sete anos, antigamente eu participava mais dos cursos do que hoje. Melhorei em todos os aspectos da minha vida.”


Sinos de ventos na porta que fazem uma mistura de sons jamais ouvidos, é isso que as pessoas escutam quando entram na pequena loja de Elaine. Simpática, a vendedora conhece a maioria dos seus clientes e já sabe mais ou menos o que cada um procura “É visível perceber a melhora deles quando começam a participar das palestras, a maioria não sabe lidar com o corpo, a mente ou a alma. Eu vejo isso como se fosse um divisor de água – O antes e o depois, conheço gente que saiu de lá curado e outros com o aspecto mais forte” testemunha ela.

A simples lojinha reúne vários tipos de pessoas com conversas que não é qualquer um que entende, Mirian Ferraz e Guaracema são freguesas de lá há muito tempo, ambas participam das aulas dadas no espaço “Faz dezesseis anos que faço terapia, agora consigo me entender melhor. Me interessei depois que um amigo me emprestou uma fita do Luis falando, talvez por conta disso que eu acho que a Zibia tenha o dom da escrita e ele o da fala” diz Mirian enquanto espera a amiga escolher que talismã ira comprar. Guaracema é freqüentadora do lugar há vinte e cinco anos, desde a época que era apenas um centro espírita onde ela costumava tomar passe “ Antes eu era só uma participante, agora sou uma integrante que se considera louca e debiloide, só que consciente” fala ela rindo. “Comecei porque era uma mulher muito doente, tinha crises de enxaqueca muito forte, hoje já sei controlar essa dor” completa.

Tem um certo ditado que diz que de perto ninguém é normal, os Gasparettos são assim, nada se parecem com as famílias convencionais que existem no Brasil hoje em dia.
Os quatro filhos médiuns de Zibia, por exemplo, escutam e conversam com espectros do alem, Irineu, de 50 anos, incorpora varias gerações de sambistas que inclusive o ajudou a lançar seus CDs. Silvia, de 45 anos e Pedro, de 55, vêem alguns espíritos, mas preferem se dedicar aos negócios da mãe. Enquanto isso, o irmão mais famoso faz suas palestras e programas de rádios incorporado pelo seu mentor mulato, o Calunga. Mineiro e com o sotaque caipira, o Calunga é o mentor espiritual do médium Luis Gasparetto, essa parceria dura há muitos anos.

De acordo com pesquisas, Calunga era um escravo que vivia em Minas Gerais e por vivenciar muitas “maldades” que os negros sofriam, ele fazia trabalhos espirituais contra aqueles que considerava merecedores. Ao ser avisado que o que fazia não era o certo, o escravo não conseguiu continuar vivendo pelo remorso que sentia e desencarnou com apenas trinta anos de idade. Acabou virando uma entidade sofrida e isolada atormentada pela culpa, quando parou de sofrer, começou seu processo de auto-perdão possibilitando seu trabalhos em hospitais e outras comunidades astrais.

Do outro lado da loja esotérica, esta localizada uma das casas mais antigas dessa rua, quando eu era pequena costumava chamá-la de casa da tia Sonia , mas na verdade aquilo não era uma casa, era uma padaria e a tia Sonia continua lá, mesmo depois de trinta e seis anos de trabalho. “Nossa, menina como você cresceu. Eu ti pegava no colo, você e seu irmão.” se espanta dona Sonia Brida ao me ver entrando em sua padaria depois de muitos anos. Voz rouca, magrinha e com uma disposição de dar inveja, a tia da padaria como é chamada, esta a frente do negócio há muito tempo e viu a rua crescer como ninguém “O bairro progrediu bastante e nossa rua também. Tem o Espaço aqui do lado, o aquário e agora o metrô, tudo isso ajuda no comércio.”. diz a tia que freqüentou uma vez a palestra por curiosidade e adorou “Achei ótima, fui com o Roberto só para assistir sem compromisso. Acho importante para aprender.”

Roberto Albertino trabalha com a dona Sonia há seis anos, balconista da padaria diz que de tanto ouvir comentário sobre os cursos ficou com vontade de assistir “Fui para conhecimento próprio – Ele fala que temos que gostar de nós para podermos gostar e ajudar os outros. Eu concordo.” Apesar de ambos os sexos freqüentarem o local e as aulas, Roberto diz que 90% são mulheres” A maioria é mulher, tem muita gente que vai porque tem problema no relacionamento amoroso. Na minha opinião o publico feminino se apega muito rápido nas coisas e vem até o Gasparetto para se apagarem a ele.” Tanto a tia como Roberto se orgulham em falar onde trabalham, principalmente contar quem são os seus fregueses “ O Luis e a Zibia vinham almoçar aqui. Ele comprava doce e sempre foi simpático conosco, agora por conta do assédio não vem mais.” comenta ela.

O Espaço Vida e Consciência esta localizado no meio da mesma padaria, do mesmo açougue do português, do mesmo japonês que concerta as chaves, entre os mesmos bares, as mesmas casas, cruzado com as mesmas esquinas, do lado da mesma praça e enfim no centro de todas as mesmas famílias de sempre, que mesmo depois de se mudarem de lá continuam voltando e revivendo seu passado. Talvez a terapia dada pelo Espaço tenha inicio antes de sua porta de entrada, começa seguindo os caminhos para chegar até a rua e termina um dia onde tudo começo.




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