Medo ~ Modo ~ Mudo

Ele continuava o mesmo de sempre, gostava de discutir sobre varias teorias, continuava a se afundar no seu mundinho de livros, ainda cumpria seus deveres e fazia o que a sua consciência mandava. Mas estava cansado de descer a escada de sua casa e pensar como o tempo passou e como tudo em sua vida se repetia. Não era culpa do tempo. Ele sabia que não, a culpa era própria, a culpa era dele. A partir dai ele resolveu mudar e não foi tão facíl assim claro, percebeu que cada lugar que passara absorvia um pouco de tudo, um pouco de todos. A mudança requer tempo e paciência, a vida dele era essa cheia de espera mas sem nenhum risco e era ai que as coisas não mudavam, o que realmente lhe faltava era justamente a falta do medo.
Parecia uma transformação iguais aquelas que os heróis de HQ passam, o poder de renovação invadia sua pele numa frequência constante que o embelezou por dentro e por fora. Sua mente foi tomada por novas vibes, novos conceitos, novos caminhos cheios de confiança e de luta, ele acabara de amadurecer e se tornar uma nova pessoa dentro dele mesmo. Como qualquer um tinha sonhos, ah e como tinha, alias costumava sonhar mais acordado do que dormindo. Mas estava prestes a realizar o maior sonho que queria( pelo menos naquele momento), ter coragem para ir alem do quadrado imposto pela sociedade, ter coragem para conquistar alguém e ir alem do alem, ter coragem de ter coragem.

Mudou de trabalho, estava onde queria, lá podia encontrar de tudo e encontrou. Apesar de gostar do que fazia, convivia com pessoas de todas as espécies possíveis e inimagináveis, só que teve uma que atraiu seus olhares já nos primeiros meses de empresa. Não era o tipo de garota que costumava chamar atenção dos caras, mas de alguma maneira misteriosa enfeitiçou seus olhos e abalou seus sentidos de uma tal forma que o imunizou de todas as outras, inclusive de sua amiga de infância. Queria conhece-la, mas não sabia como. Até que numa tarde chuvosa:

- Oi, eu estou de carro, se você quiser uma carona?
- Hum, não sei disse ela meio surpresa - acho que vou aceitar

"Ufa" ele pensou

- Otimo, então vamos. respondeu ele com entusiasmo

No carro ficou um clima tenso para os dois, eram como estranhos, ele estava nervoso e seus pensamentos vagavam numa velocidade fora do comum, por incrível que parece ele custara acreditar que a menina que tanto fitava estava a um palmo de distância.
(...)
- ... Eu já to quase me formando - respondeu ela
- Hum .. que bom e você pretende continuar trabalhando aqui?
- rs rs .. não sei...

E foi assim que o laço de afeto entre os dois começou a tomar outro rumo, logicamente nem sempre conversavam, mas com o passar do tempo seus olhares se encontravam cada vez mais. Ele não sabia o que sentia direito, as vezes queria a moça só como uma amiga, tinha um carinho fraternal por ela, mas em outras ocasiões o desejo empreguenava em sua carne de um jeito tão descontrolado que ficava fora de si. Normal esse tipo de reação, principalmente se tratando de quem era. Coincidências aconteciam o tempo todo, mas não toda hora, a maioria era ele que fazia acontecer, como os constantes encontros na lanchonete. Mensagens, e- mail, telefones, messengers e mais caronas costumavam acontecer diariamente, chegavam ao ponto de se viciarem pelas conversas discretas e risos descontraídos que trocavam durante a semana. Ele se sentia corajoso e muito feliz, alias não era todos os dias que sua a vida amorosa dava uma deslanchada como essa. Então resolveu arriscar.

- Te acho linda sabia - disse baixinho
- Eu sei - respondeu a moça envergonhada

Ele não esperava essa resposta, principalmente vindo dela. Olhou assustado tentando esconder a risada e seu rosto vermelho, mas foi inutil para os dois.

- Como você sabe? perguntou já sabendo a resposta
- Eu sei que você gosta de mim - respondeu ela firme

Ele engasgou na hora, mas resolveu revelar o que já estava revelado

- Bom, já que eu não tenho mais saída , vou te confessar tudo desde o inicio
- Não vou para nenhum lugar - respondeu ela.

Pela primeira vez depois de anos o garoto teve uma das melhores sensações que já sentiu, a da coragem. Ele se declarou para ela de um jeito diferente do que passa nos filme, aquele momento não teve uma trilha sonora única, só as buzinas dos carros, o sopro do vento, a mudança da marcha e a respiração ofegante dos dois. Por um instante pensou : "Se isso fosse uma cena, qual seria nossa musica?," mas foi logo interrompido pelo suspiro da garota, que por sinal estava perplexa pelos detalhes de tudo que tinha ouvido, parecia um roteiro dos seus últimos meses, um ensaio, uma loucura. O silêncio era comum em alguns momentos, mas nesse dia houve muito o que dizer, não teve espaço para escuta - lo.

(.........)

- Nossa- disse ela - Eu gosto de você também, mas não quero me relacionar agora
- Por que não? - questionou o menino
- Lembra no telefone, eu disse que queria te contar algo, então eu to indo embora do país
- Que? se espantou ele
- Eu consegui uma bolsa de estudo para terminar minha facu em Londres, eles tem um programa voltado para jovens e eu fui selecionada - ela explicou
- Caramba não sei o que dizer, Parabénssss - disse ele meio entorpecido
- Nem me fala, estudei muito para isso sabe, minhas aulas começam daqui 2 meses e semana que vem é minha penúltima semana aqui no trabalho- continuou a menina
- Mas já?? Nossa fico muito feliz por você de coração - retrucou ele ainda meio zonzo
- É, preciso desse tempo para acertar algumas documentações, essas coisas entende.
Ela ficou muda por um segundo de tempo, mas logo continuou:

- A verdade é que eu sempre te admirei, você é um cara super bacana e é lógico que tenho vontade de te beijar, mas fico pensando que posso acabar te magoando e me magoando junto entende?? - perguntou

- Entendo claro, e também não quero me envolver agora - mentiu- mas você tem razão não é o momento - mentiu de novo
- Adorei saber o que sente, obrigado -falou ela

Nas semanas seguintes tentaram ao máximo ficarem juntos, trocavam carinhos e sorrisos discretos, iam embora no mesmo horário combinado, faziam planos mesmo sabendo que a maioria não iria vingar. Ele pensava nela, não conseguia dormir pensando no quanto a queria entre seu corpo, mas não sabia como se aproximar de uma forma mais íntima, no fundo estava com medo porque sabia que seu coração era mole, sabia como seu coração era besta. Os dias passaram rápidos, isso o consumia por dentro, principalmente pela atração mutua que existia entre eles e pelo fato de não acontecer nada.

O dia mais inevitável do seu momento chegou, e como era para acontecer ela partiu e deixou uma enorme dor. Dessa vez ele não deu carona e também não conseguiu se despedir, quando viu ela ir embora sentiu um vazio imenso em seu peito. Chorou,chorou e chorou, ficou revendo todos os momentos que passou tentando de alguma forma descobrir o que deu errado. foi inútil.

Mas o incrível de tudo isso é que ele ainda tinha esperança, então começou acreditar em uma das frases que Nietzsche disse " A esperança é o prolongamento da dor", nossa e como isso fazia sentido agora, como tudo isso fazia sentido. Bom, continuaram se falando e conforme o tempo passava sua dor foi diminuindo,mas mesmo assim se pegava pensando nela, se pegava olhando para o seu lugar vazio no escritório, relia seus e mails para se refugiar e se sentir feliz com as doces palavras da moça. sentia saudade e como sentia.

Segunda ele acorda cedo para mais um dia de luta, toma seu banho, escolhe sua roupa, arruma seu quarto, faz sua oração e se prepara para descer mais alguns degraus de sua escada. Que irônia não, mas apesar da escada ser a mesma, o que distânciava ele de seu sonho não era o mesmo degrau, agora é muito menos que isso, muito menos.
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