Em busca de personagens: Uma entrevista com o roteirista de Última Parada 174, Bráulio Mantovani

Em busca de personagens

Por Giovanna Gomes

Escolhido pelo Ministério da Cultura para representar o Brasil no Oscar 2009, Última Parada 174 - que estréia hoje nos cinemas brasileiros (dia 24) - é inspirado no documentário Ônibus 174, de José Padilha, e conta a uma versão assumidamente ficcional da história de Sandro Barbosa do Nascimento, personagem principal de um drama assistido por milhões de telespectadores Brasil afora. Dirigido pelo cineasta Bruno Barreto e com o roteiro assinado por Bráulio Mantovani, Última Parada tenta fugir de uma recente linha de produção brasileira, pejorativamente conhecida como “Filmes de Favela”, ao se aprofundar nos personagens e em seus dramas. A Monet conversou com o roteirista para saber um pouco mais sobre o longa.

Soube que quando o diretor Bruno Barreto te mostrou que o filme seria sobre a tragédia do ônibus 174, no Rio de Janeiro, você achou “esquisito”. Porque?

Foi falta de imaginação. Tinha gostado tanto do documentário do José Padilha que a primeira coisa que veio à minha cabeça foi um filme reconstituindo a realidade, no gênero docudrama. Se fosse isso, não teria escrito o filme. Quando o Bruno me disse que queria contar a história do encontro de uma mãe que busca um filho com um filho que perdeu a mãe, eu me entusiasmei. E quando perguntei se poderia inventar o que quisesse, sem nenhum compromisso com a história real, ele respondeu: “claro que sim!”. Aí não tive dúvidas em entrar no projeto.

Depois do seu contato direto com a mãe adotiva do Sandro e com outros personagens reais da história, sua visão sobre o seqüestro mudou?

Não. O que me fez entender o seqüestro foi o já mencionado documentário Ônibus 174. Minhas conversas com os personagens reais da história (a mãe adotiva e a tia de Sandro) só reafirmaram minha convicção de que deveria mudar o nome de todos os personagens reais no meu roteiro, esquecer as histórias reais e radicalizar a ficção. A mãe adotiva de Sandro na vida não tem nada a ver com a mãe do filme. É importante que as pessoas vejam o filme com a consciência de que nós apenas nos inspiramos em acontecimentos reais. Última Parada 174 é ficção.

Bráulio MontovaniVocê acha que mesmo o público que não assistiu Ônibus 174, quando ver o Última Parada 174 vai ter outra opinião sobre o que foi transmitido pela TV naquele dia?

Não sei que opiniões as pessoas têm sobre o que foi transmitido pela TV. Os jornalistas fizeram o papel deles e mostraram o que era aparente. O documentário mostrou que por debaixo do que era aparente na TV havia uma história trágica. Nosso filme de ficção, nesse ponto, coincide com a realidade mostrada no documentário: aquilo foi uma tragédia que começou quando Sandro ainda era um menino muito pequeno. Espero que as pessoas percebam isso e se dêem conta de que nada do que aconteceu ali foi simplesmente um ato de violência. O filme não julga, não condena nem absolve ninguém. O filme não muda os fatos: uma mulher inocente foi morta por Sandro. Se ele não tivesse morrido em seguida, seria preso e justamente condenado. O filme não muda esses fatos nem alivia a dor das pessoas que sofreram as perdas daquelas duas vidas. Mas se as coisas que aconteceram antes na vida de Sandro tivessem sido um pouco diferentes, talvez ele não teria entrado naquele ônibus. Ou talvez tivesse entrado, mas sem aquela arma. São tantas as variáveis que levam àquele desfecho trágico que fica impossível saber o que é certo e o que é errado nessa história. Espero que os espectadores se sintam provocados a pensar sobre aquilo tudo com menos certezas e mais dúvidas. E que cada um chegue à sua própria conclusão. Recomendo que assistam ao Última Parada 174 no cinema e comprem o DVD do documentário Ônibus 174 para ver em casa.

Esse foi seu primeiro roteiro solo depois de grandes sucessos como Cidade de Deus e Tropa de Elite, filmes nos quais você trabalhou com outros roteiristas. O que fez a diferença nesse longa em relação aos outros?

A idéia do Bruno que mencionei antes, a visão dele de como transformar aquele fato em uma história de ficção foi o que mais me atraiu. Em segundo lugar, eu me empolguei com a possibilidade de escrever um roteiro com uma forma narrativa mais clássica, focada mais em personagens que em acontecimentos. Cidade de Deus tem uma narrativa menos convencional, com uma estrutura de certa forma incomum, na qual não é possível mergulhar fundo em nenhum personagem. Cada história sugere a sua própria maneira de ser contada. Não há modelos absolutos. Não existem fórmulas. Descobrir o melhor jeito de contar uma história é, sem dúvida, a parte mais divertida do meu trabalho. Por isso, gosto de experimentar diferentes formas e gêneros. Tropa de Elite se parece mais com Cidade de Deus, mas também tem suas peculiaridades narrativas. Porém, escrevi Tropa com José Padilha e Rodrigo Pimentel depois de ter escrito Última Parada 174. É que Tropa ficou pronto antes.

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Comentários

jopamaster disse…
Salve Giovanna Gomes,
realmente muito objetiva e escalarecedora as perguntas impostas na entrevista ! Eu nao sabia que o filme Última Parada 174, que assisti recentemente, era somente baseado , e pelo que e da a entender , escarsamente baseado na historia real do Sandro.
Isso que eu entendi ,posso me corrija se estiver errado ok ?!
Bom, outra coisa Giovanna, para concluir essa minha pesquisa eu ainda queria assistir ao documentario real do Ônibus 174.
Voce o teria por acaso ?
Parabens pela pesquisa Giovanna e obrigado !